Sunday, 25 October 2015

Cavaco Silva Avisou....





Ele avisou...

O Presidente agiu com a total e absoluta autonomia que a Constituição lhe dá. O Presidente não é um funcionário administrativo.

O Presidente da República tem toda a legitimidade constitucional, eleitoral e política para indigitar Passos Coelho como primeiro-ministro, como teria toda a legitimidade constitucional, eleitoral e política de decidir indigitar já António Costa primeiro-ministro, no caso de lhe ter sido apresentado um acordo de governo sólido, como terá toda a legitimidade constitucional, eleitoral e política de decidir não indigitar no futuro um governo de Costa, que, após uma moção de rejeição do programa do Governo da coligação, venha a ser suportado parlamentarmente pelo BE, pelo PCP e pelo PEV.É evidente que o procedimento normal a seguir era indigitar como primeiro-ministro Passos Coelho, o líder partidário que saiu vencedor das eleições. Cavaco pode até ter cometido o erro de apelar à dissidência dos deputados e o erro de avaliação política das consequências que podem advir de estabelecer linhas vermelhas para uma indigitação que excluem partidos como o BE e o PCP. Isto, porque a clarificação ideológica que repetiu divide claramente os campos e estabelece um confronto político que poderá dar mais força e mais solidez aos que defendem que há espaço para a maioria de esquerda governar.
Mas fê-lo numa clara atitude de frontalidade política a que tem direito e que não tem nada de novo, embora pela dureza dos termos possa parecer inédita. É bom não esquecer que já em 2013, quando da crise governativa da demissão “irrevogável” de Paulo Portas, Cavaco forçou negociações entre o que se convencionou chamar "partidos do arco da governação". E, em 6 de Outubro, quando encarregou Passos de iniciar negociações para formar governo, Cavaco foi claríssimo a estabelecer a fronteira do que aceitava, excluindo os partidos anti-NATO e que admitem a saída do euro e da União Europeia, isto quer dizer que excluiu PCP e BE.
Como Presidente, é facto que Cavaco não deve defender que há deputados eleitos pelo povo nas urnas que têm menos direitos do que outros de servirem de suporte parlamentar a um governo. Mas o Presidente agiu com a total e absoluta autonomia que a Constituição lhe dá. O Presidente não é um funcionário administrativo. Por um lado, porque tem legitimidade eleitoral para agir e decidir. Foi eleito, com base num posicionamento ideológico e num programa político, por voto directo como Presidente da República para exercer um mandato que tem contornos constitucionais claros. Por outro lado, no regime semi-presidencialista estabelecido pela Constituição, há dois momentos em que o Presidente tem o poder discricionário. É quando indigita o primeiro-ministro, em que a única regra a que está obrigado é a de decidir depois de “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. E é quando pode usar a chamada "bomba atómica constitucional", ou seja, o poder de dissolução do Parlamento e de convocação de eleições.
Repetimos, podemos considerar que é politicamente um erro o Presidente vir a rejeitar um governo de esquerda apoiado pelo BE e pelo PCP, embora o possa legalmente fazer. E é bom não esquecer que a situação não é inédita. Recorde-se que, em 1987, o então Presidente Mário Soares rejeitou dar posse a um governo liderado pelo PS e apoiado pelo PRD e pelo PCP e chefiado por Vítor Constâncio, na sequência de uma moção de censura do PRD ao Governo minoritário do PSD chefiado por Cavaco Silva. Mário Soares até foi a casa de Constâncio avisá-lo pessoalmente do que faria, mas os socialistas não acreditaram, fizeram cair o Governo e Mário Soares convocou eleições das quais saiu a primeira maioria absoluta do PSD de Cavaco Silva.
Agora, pelo impedimento constitucional de dissolver o Parlamento nos últimos seis meses do seu mandato, Cavaco perdeu o poder de dissolução, além de que a Assembleia que agora toma posse só pode ser dissolvida daqui a seis meses. Mas o Presidente não está limitado nem inibido no poder discricionário de decidir e escolher quem indigita como primeiro-ministro. E é isso que Cavaco fez: deu posse a quem ganhou. E avisou que não está disponível para empossar um governo apoiado por partidos com cujos pressupostos ideológicos não concorda. Isso é uma decisão política que Cavaco tem o direito de tomar. E que está dentro dos seus poderes. Terá de viver com ela, ficar na história com ela e terminar o mandato com ela. Até que um seu sucessor que venha a tomar posse tenha então o poder de dissolver a Assembleia.
É de supor que o Presidente, ao anunciar que excluiu a hipótese de um governo de esquerda e ao fazer renascer o confronto político, saiba exactamente como vai conduzir a situação até ao fim. Não é expectável que Cavaco fique agora para a história como politicamente irresponsável, depois de ao longo de quatro décadas ter demonstrado ser um político de primeira linha. Resta esperar para ver que solução tem o Presidente no bolso.

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